Fausto Macedo

FAUSTO MACEDO

Fausto Macedo nasceu a 26 de agosto de 1937 em Senhoria, Sever do Vouga. É autor do livro “Sever do Vouga a cantar”, cancioneiro com cerca de 300 músicas populares da região (ainda inédito). Começou a trabalhar com 19 anos na Fábrica de Massas Paradela, uma das mais importantes da região, onde exerceu diversas atividades até o ano de 1982, quando fábrica foi extinta. Trabalhou em seguida na Garagem Amaral, na secção de peças, até o ano de 1994 quando se aposentou.

Sua ligação com a música inicia-se em 1950, aos treze anos de idade, quando amigos o convidam a integrar a Filarmónica Severense. Apesar do protesto dos pais, que eram contra sua ligação à música, Fausto Macedo apaixona-se pela banda, por onde permanece por 44 anos. É ele mesmo que narra o início de suas atividades musicais:

Foi assim: eu tinha aí dois rapazes amigos, colegas, crianças ainda – 13 anos são umas crianças, não é?

– e então eles foram aprender música. Aí um músico que havia na banda começou a ensinar e eles foram aprender. E depois estavam-me sempre a dizer: “Anda mai nós, pá!” Mas o meu pai e a minha mãe não queriam.

Era a última coisa que eles queriam. E então eles tanto andaram, chatearam -“Anda, pá! Nem precisas de dizer aos teus pais, enquanto a tua mãe faz a ceia nós vamos lá e resolvemos o assunto, e tal!” E eu um dia fui com eles. O músico que nos ensinava tinha um solfejo já todo “rotito”, velhinho, mas emprestou-mo, eu já não tive que comprar o solfejo, portanto não tive que ir chatear o meu pai p’ra me comprar um solfejo, e eles continuaram sem saber nada! Quando apareci com o instrumento em casa foi um caso sério. O meu pai: – “Que é isso, rapaz?” – … é um instrumento assim assim… – “E quem é que te autorizou?” -. ..fui mais fulano… e fulano…eles chamaram-me, eu fui, e tal,… E então ele respondeu-me: -“Ou entregas essa m… ou eu parto isso tudo!”. E então eu disse-lhe que sim, que entregava. Mas eu queria aprender! Escondi o instrumento, o meu pai ia trabalhar para o ofício dele (pedreiro) – trabalhava p’ra um e p’ra outro, p’ra quem o convidava, não é? – e a minha mãe ia p’ràs terras e eu aplicava- me. Eles vinham, o instrumento estava escondidinho, ninguém o via, e eu fui andando assim. O pior foi para eu ir p’rós ensaios da banda! Porque era à noite, eu não tinha autorização para sair à noite… tive que pedir ao meu pai. Aí foi o diabo! Ouvi sermão e missa cantada, e mais alguma coisa, mas lá me deixou ir mas… com aquela prevenção: “Pisas o risco e eu …faço e aconteço!

 

Na banda, começa por tocar bombardino, passa ao contrabaixo e em seguida ao cornetim. O gosto pela coleta de partituras musicais começa justamente no ambiente da Filarmónica Severense: como normalmente tocava as partes de 2º ou 3º cornetins – partes a que normalmente não cabia nenhum trecho de melodia – ficava atento à voz do 1º cornetim, mais melodiosa e atraente:

Eu não tinha livros, eu não tinha quem me ensinasse, não tinha a quem perguntar, eu não queria perguntar aos maestros porque naquele tempo que eu aprendi os músicos não facilitavam nada a vida aos novos. Escondiam tudo deles. E então eu tive que me fazer “rato”. Eu passei de 3º para 2º cornetim, de 2º para primeiro; mas quando passei para 2º, claro, já estava mais perto dos 1ºs e eu ouvia os 1ºs , mas era tão linda a melodia que eles tocavam e eu… tinha lá umas notas, não tinha melodia nenhuma, e eu comecei a ver, a tentar … como é que eu hei-de lá chegar? Então deixava sair todo o mundo, no fim do ensaio, enquanto o maestro arrumava lá as partituras dele eu ia à malinha dos papéis, à peça que eu queria e sacava o papel do 1º cornetim, trazia-o para casa, as partes que me agradavam mais e copiava-as.

Copiadas as partes que lhe interessavam, começa a treinar em casa, durante os horários vagos, as melodias que o atraíam:

Chegava a casa, se o comer não estava feito ou ainda era cedo, lavava-me e ia para a música. Os vizinhos tinham que aturar todos os dias aquela sessão de música. Comecei a tocar qualquer coisinha mais bonita e tal… e houve um dia, um único, que eu cheguei e não fui de caminho e o meu pai disse: “Atão hoje não vais tocar nada?” E eu: “ai agora já gostas de ouvir!!!

O cotidiano das atividades musicais na banda e a prática de copiar as partituras que lhe interessavam dão a Fausto a familiaridade com a escrita musical e o gosto pela coleta de material. Começa a comprar partituras de várias casas editoras – Castanheira, Guimarães e Godofredo Duarte – e a formar seu próprio acervo. No ano de 1975 começa também a coligir canções populares em um caderninho, “para não se perderem”, conforme conta. Compra uma pianola para conferir as melodias e em breve enche o caderno com 73 canções populares. O próximo passo foi adquirir um gravador para registar alguns grupos folclóricos da região, como o Rancho Folclórico de Sever do Vouga e o Canto e Cordas, grupo musical ligado à Universidade Sénior de Sever do Vouga. É a partir do encontro com outro colecionador da região, Amilcar Morais, que lhe vem a ideia de escrever um cancioneiro da região:

Levei aquilo (as gravações e as transcrições) para o senhor Morais ver se aquilo tinha algum jeito ou não, e quando ele me entregou, disse aquilo: “Ó pá, você já tem aqui tanta coisa, vá ao resto dos grupos, grave, p’ra fazer um livro como este – e mostrou- me o “Cancioneiro de Águeda”, (que me deu um, até!) –, se for preciso, eu ajudo. Aí é que eu então pensei mesmo em fazer o livro.

Começa então a sistematizar seus registos, até então manuscritos, e busca atualizar-se na tecnologia necessária para a edição de partituras. O uso de computadores não lhe era desconhecido, uma vez que trabalhara já com recursos informáticos em seu último emprego:

Eu, os últimos 10 anos que trabalhei aqui na Garagem Amaral, foi com um computador. Dava entrada dos materiais, das peças, metia para o computador. Depois, à medida que eles iam saindo, eu dava baixa já no computador. Primeiro era nas fichas, à mão, tudo, depois era no computador. Eu fazia requisições para material que era preciso, para lá, para outras firmas, além das peças é preciso mais isto, mais aquilo, às vezes até umas coisas quaisquer que se aplicam, que não há aquilo… E então trabalhei 10 anos com aquilo. Quando vim embora havia lá um senhor que trabalhava lá nos escritórios e tinha uma firma mesmo para ensinar informática e outras coisas. E disse-me: “O senhor não quer comprar um computador?” E eu disse: “Ó sr não me lembra agora o nome. Cheio de computadores estou eu. Deixe-me descansar!” Mas mais tarde pensei: Bah! Vou comprar um computador! E comprei.

Por essa altura tem já 70 anos de idade e o computador passa a ser um aliado na coleta musical. Começa a pesquisar por softwares de edição de partituras que lhe permitissem transpor para formato digital as melodias que tinha, já nesta ocasião, em diversos cadernos manuscritos.
Eu não tinha programa… Ah! Tinha um programazinho que um senhor ali de Dornelas me arranjou gratuito. Só que não fazia aquilo que eu queria. Era muito simplesinho, uma coisa muito simples, e eu queria fazer mais isto e mais aquilo e não conseguia com aquele programa. E então resolvi comprar um programa. Custou-me 380 euros. Foi o Finale. Procurei aquele … Sibelius, diziam-me que era muito melhor e procurei na Internet, não me esclareceu lá muito bem aquilo. Procurei em Aveiro a (loja) Musica.com. Não me deram grande andamento. Disseram que me arranjavam o Finale, que o Sibelius não. Fiquei indeciso. Fui à (loja) Adaggio, nada! Não consegui nada com eles. Não me deram esclarecimento nenhum. Pronto, fui outra vez à Musica.com e comprei então o Finale. Trouxe um livrinho a explicar as coisas e eu lá fui andando, gatinhando e tal, o Sr. Morais deu-me também uns toquezinhos e tal, e eu lá fui.
Desta forma conclui o “Sever do Vouga a cantar”, contendo cerca de 300 músicas populares, livro ainda inédito e que se constitui como registo fundamental da memória sonora do município. A atuação de Fausto Macedo, entretanto, não se restringe ao livro: sua coleção de partituras é também notável pela diversidade e raridade de manuscritos que agrega. Contém arquivos de bandas antigas da região, dentre as quais a Banda da Alba e a Banda Oliveira de Frades, material que inclui peças musicais anteriores ao ano de 1840 – partituras para banda sem a presença de saxofones, instrumento inventado justamente nesta década. Por sua riqueza e singularidade, o acervo de Fausto Macedo é sem dúvida património cultural fundamental do município de Sever do Vouga. A equipa do projeto SOMA vem chamar a atenção dos poderes públicos para a necessidade urgente de digitalização e salvaguarda deste material de imenso valor histórico.

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